Uma bomba caiu sobre o Palmeiras na noite de sexta-feira: Felipe Melo teria sido afastado do elenco após uma divergência com Cuca, que teria tomado a decisão furioso. Ainda segundo os relatos iniciais, o Pitbull teria dito que “tem sacanagem” no time e nosso treinador, ao ficar sabendo, imediatamente tomou a medida.
Outra corrente, menos ruidosa, atribuiu o afastamento a uma decisão meramente técnica: Felipe Melo não se encaixaria no esquema de marcação idealizado pelo treinador. Ao jogar mais posicionado, característica que desenvolveu após anos de carreira em clubes europeus, deixava espaços importantes para os meias adversários, ao contrário dos outros volantes do elenco que não tinham problemas em fazer a marcação individual desejada por Cuca.
No dia seguinte, sábado, teve jogo. O Palmeiras não apenas ganhou, como jogou bem, o que diminuiu bastante a pressão acerca dessa tomada de decisão. A crise foi muito bem contornada: foi comunicado durante o dia que o assunto seria devidamente abordado após a partida, para que o foco dos atletas e comissão técnica não se perdesse. Na coletiva, Cuca conduziu o assunto com autoridade, não permitindo perguntas e fazendo uma declaração simples e direta que durou cerca de três minutos, e encerrou o assunto.
Nesse comunicado, prevaleceu a versão da escolha técnica. Cuca recorreu à mesma situação que permitiu liberar Alecsandro e Rafael Marques: que trata-se de um jogador que não tinha espaço na configuração tática desejada, e que por ser “muito bom” não pode ser apenas uma opção de banco.
“Opção tática”
A justificativa de Cuca faz sentido até a página dois. Se o Palmeiras deseja ter um elenco forte, que não sofra com as inevitáveis lesões que o calendário impõe, precisa ter jogadores “muito bons” no banco sem chiadeira. O perfil de jogadores a serem contratados inclui um forte espírito de grupo e maturidade profissional para saber que nem sempre serão titulares – algo bem mais comum nos clubes europeus do que no Brasil, onde ainda prevalece a cultura do “time titular”.
Felipe Melo foi contratado com o aval de Eduardo Baptista e de fato foi um dos grandes pilares técnicos do time no período em que o treinador esteve no comando do Verdão, após um começo difícil. Mas também é fato que acabou sendo um ponto vulnerável após a mudança de treinador e a chegada de Bruno Henrique foi um sinal claro de que isso foi detectado por Cuca logo após as primeiras movimentações.
O temperamento do Pitbull
Felipe Melo é um cara midiático. Construiu um personagem, que só quem o conhece de perto sabe dizer se corresponde ou não à realidade. Abraçou a personalidade do jogador durão e raçudo, notoriamente um perfil que agrada a qualquer torcida. Sabe que só pode fazer isso sem ser execrado pela imprensa brasileira quem tem bola no pé – isso ele tem, e bastante.
Ganhou música da torcida sem sequer ter estreado e passou rapidamente a ser tratado como um dos destaques do elenco pela imprensa – muito mais pelo potencial de cliques e audiência do que por seu desempenho em campo.
Inevitavelmente, quem ganha holofotes de forma tão rápida sem mostrar um futebol compatível desperta um certo desconforto no grupo – para usar um termo bem suave. O jeito de Felipe Melo se comportar no dia-a-dia, com desentendimentos com Omar Feitosa e Roger Guedes, bem como sua iniciativa de atuar como “segundo técnico” à beira do campo quando não está jogando, não o ajudaram em nada.
Talvez os episódios de desentendimento tenham sido considerados normais pelo grupo e superados; talvez não.
Talvez Cuca tenha lidado bem com o fato de ter “ganho” um novo auxiliar; talvez não.
De qualquer forma, parece certo que faltou Semancol ao volante, que se não fez inimigos em sua passagem pelo clube, pouco provavelmente fez grandes amigos.
Mesmo a imprensa, que tinha em Felipe Melo uma fonte abundante de polêmicas e de audiência, não conseguiu digerir os posicionamentos pessoais do jogador, construindo uma indisfarçável antipatia.
Cabe a ressalva: é importante mencionar que a imagem truculenta que o jogador fez questão de construir em torno de si não era traduzida dentro de campo. Suas disputas de bola eram de fato duras, mas sempre leais. Não houve um episódio sequer em que ele deu margem para que adversários saíssem de campo revoltados com a forma com que ele disputava as jogadas ou discutia em campo. Claro, houve o episódio o Uruguai, em que ele acabou sendo vítima de sua própria autopromoção. Curioso constatar que ele foi encurralado no canto do gramado e ninguém foi em seu socorro – mas também não há como cravar que isso seja consequência de um isolamento do atleta.
Foi bom ou foi ruim?
Há muita especulação em torno do caso, muito diz-que-me-diz, e o torcedor é quem escolhe em que versão acreditar. Diante da falta de informações seguras, o mais sensato parece ser deixar todas as possibilidades em aberto e virar a página. Mas mesmo com toda essa cautela, é possível se posicionar.
Tecnicamente, Felipe Melo era um jogador importante. Taticamente, não se encaixava para ser titular, mas era uma ótima opção de banco para situações específicas. É pouco provável que Cuca tenha aberto mão de ter um jogador experiente e talentoso no banco, a não ser que tenha detectado algum problema em potencial – algo que ele declarou na coletiva após o jogo. Essa é a hipótese menos apocalíptica, para quem não se convence dos relatos de brigas, como já andou saindo por aí.
Cuca já tomou decisões semelhantes no passado e o tempo mostrou que ele estava correto. Robinho e Lucas eram atletas que tinham bom desempenho com Marcelo Oliveira, mas que não se encaixaram no modelo desenvolvido por Cuca e rapidamente foram envolvidos numa troca com o Cruzeiro que à época causou revolta.
Cabe à torcida passar por cima da adoração sobre o jogador, seja ela legítima ou artificial, e confiar nas decisões de nosso treinador. Cuca não é infalível e também comete erros, mas tem uma boa pilha de créditos e ainda goza de muito moral para tomar uma decisão importante como esta.
E agora?
Já começaram a aparecer matérias destacando o volume de recursos que o Palmeiras investiu para ter Felipe Melo. Sentindo aquele prazer sádico pela demissão do atleta, já que desenvolveram por ele antipatia pessoal, a imprensa tenta tumultuar o ambiente batendo mais uma vez na tecla do desperdício de dinheiro.
É melhor pecar por excesso do que por falta. O Palmeiras acumulou recursos com méritos próprios e os aplica como bem entender. Diante das ambições traçadas para 2017, investiu de acordo com elas. Acerta-se e erra-se. A incompatibilidade tática de Felipe Melo com Cuca, bem como a de vários outros jogadores contratados no início deste ano, já foi vastamente discutida no Verdazzo e sempre caímos na mesma origem: a necessidade de Cuca fazer seu período sabático, previamente acordada. Todas as dificuldades decorrem dessa ruptura.
Resta ao Palmeiras tentar diminuir o prejuízo ao máximo e direcionar a sequência da carreira do jogador para um clube do exterior. Com apenas cinco jogos disputados o Brasileiro, Felipe Melo pode reforçar um rival direto nesta disputa. Sendo demitido da forma como foi, o Pitbull sai com o rabo entre as pernas e com muita vontade de mostrar em seu próximo clube que Cuca estava errado. Pelo menos no começo, vai jogar muito e fazer qualquer coisa que seu próximo técnico pedir. Não parece ser uma boa ideia tê-lo como adversário.