Com a segunda derrota seguida, desta vez para o Fluminense, nossa torcida está com sede de sangue – nada mais natural. Além de uma enorme barca de jogadores, os palmeirenses clamam por substituições no comando. Protestos recentes, com ou sem encomenda política, pedem a saída do presidente Maurício Galiotte e do diretor de Futebol, Alexandre Mattos.
Eleito, o presidente só sai se acontecer um inédito processo de impeachment. Já o cargo de Diretor de Futebol, remunerado, é bem menos enraizado e basta uma canetada do presidente para determinar a mudança.
O clamor popular aponta também para técnico Mano Menezes, que está há 18 jogos no cargo e não conseguiu sequer chegar perto de imprimir um padrão de jogo satisfatório – tanto na competitividade, quanto na chamada “beleza” do jogo.
Hoje fecharemos a série iniciada na terça-feira, quando propusemos uma discussão acerca dos ajustes necessários para que a temporada de 2020 nos renda os títulos que faltaram na temporada que está por terminar.
Alexandre Mattos
O atual diretor de futebol tem como maior virtude uma notável capacidade de encontrar soluções criativas para que o elenco se mantenha forte pelo maior tempo possível – as negociações de Mina e de Gabriel Jesus, que renderam quantias respeitáveis a nossos cofres, mostraram o quanto Mattos pode contribuir para manter jogadores extra-classe vestindo nossa camisa pelo maior tempo possível sem prejuízo à transação.
Sua agenda telefônica não encontra barreiras e seu talento para a persuasão parece não ter limites. É um profissional que, com um bom orçamento, tem potencial para fazer estragos no mercado nacional – e já vimos isso acontecer, na prática, por cinco anos consecutivos.
É evidente que, num universo de mais de 80 contratações, cometeu erros. Alguns deles, quase imperceptíveis e inofensivos. Outros, grosseiros e quase inexplicáveis. Mas partindo de dezembro de 2014, seu saldo na balança é indiscutivelmente positivo.
Esse resultado final, no entanto, não impede de apontar problemas em seu trabalho. Suas contratações, quase sempre impecáveis no sentido de gerar caixa ao clube após o fechamento do ciclo (por ocasião da venda), não parecem equilibrar o aspecto financeiro com um projeto técnico consistente. Estamos atravessando a terceira temporada com graves problemas no comando do ataque, algo que só foi parcialmente corrigido com a contratação de Luiz Adriano.
A contratação de Carlos Eduardo junto ao Pyramids-EGY foi anunciada no início do ano por algo em torno de R$ 22 milhões, apenas alguns meses depois de Keno ter sido vendido para o mesmo clube por R$ 37 milhões, na cotação da época. Os dois números, vistos de maneira isolada, são assustadoramente altos, mas não é preciso ser muito criativo para concluir que o que vale é a diferença: na prática, trocamos Keno por Carlos Eduardo e ficamos com R$ 15 milhões de troco. Diante do desempenho fraco do camisa 37, hoje é fácil concluir que a negociação, mesmo vista de forma casada, foi ruim, mas foi uma aposta de Mattos.
A posição de diretor de futebol é cheia de apostas; não há como ter certeza absoluta que uma transação dará certo ou errado. O ímpeto de fechar negócios é uma característica importante para um profissional nessa posição. Mas ele precisa ter dois freios: um técnico e outro financeiro. Se tiver toda a liberdade que deseja, pode causar grandes decepções, como foi o ano de 2019.
O treinador precisa ter mais voz na definição das contratações. Como existe uma cadeia de comando, talvez o que falte no Palmeiras é a figura de um diretor técnico de futebol, na mesma altura hierárquica que Mattos, respondendo ao presidente. Esse diretor seria o responsável pela prospecção de reforços no mercado, obedecendo a um plano técnico desenvolvido em conjunto com o treinador, cabendo a Mattos a importante missão de viabilizar os negócios.
Obviamente ainda precisa existir a aprovação final do presidente antes da redação final de cada contrato, cujos valores precisam ser condizentes, na pior das hipóteses, com uma aposta com alguma chance de dar certo.
A sanha por derrubar o diretor de futebol é um vício recorrente de parte da torcida. É o elo mais fácil de alvejar depois do técnico, já que é remunerado, não-estatutário, e está sempre exposto após maus resultados. Mas Alexandre Mattos é um talento que não pode ser desperdiçado; ele precisa é ter as funções restritas a seus pontos fortes. Mattos é uma Ferrari que precisa de regulagem nos freios.
Imaginem o estrago que ele, com os freios em ordem, pode fazer com um orçamento como o do Flamengo nas mãos.
Mano Menezes
O atual treinador chegou ao Palmeiras após um momento de instabilidade do time nas mãos de Felipão. O estilo de jogo do general não agradava à maioria dos palmeirenses, mas sua figura era e para sempre será idolatrada.
A forma como Felipão foi demitido, um semestre depois de levar o time a uma grande conquista tendo Borja e Deyverson como opções para o comando do ataque, deixou um vácuo no peito da maioria dos palmeirenses. Mano veio para tentar preencher, ao menos, parte desse vazio, mas seu passado como técnico do SCCP impõe dificuldades no processo de aceitação.
A troca de Felipão por Mano se assemelha à trajetória de um padrasto chegando à família. Um estranho que vem para ocupar o lugar de alguém muito querido e insubstituível.
Sabemos que há vários casos de figuras que vêm de fora que conseguem conquistar suas novas famílias. Com sabedoria, fazem a leitura do novo ambiente, entendem seus limites e cumprem seus papéis, conquistando, aos poucos, a aprovação de todos. Jamais substituirão o original por inteiro, mas podem achar a posição mais adequada, dentro do contexto.
Mano Menezes tentou fazer o certo. Sua estratégia de comunicação foi adequada: discreto, sem frases de efeito, pasteurizado, procurou apenas não errar nas entrevistas – e nisso foi bem-sucedido. Seus exercícios de media training deram o resultado perfeito.
Mas faltou o principal para amolecer a comunidade palmeirense: fazer o time jogar bem e ter perspectiva de mostrar um futebol competitivo. E por mais sede de sangue que tenhamos, não seria correto julgar o trabalho de Mano Menezes pela evolução mostrada dentro de campo este ano – ou pela falta dela.
Não foi Mano quem desenvolveu o plano de jogo para 2019. Não foi Mano quem escolheu as peças deste elenco – nenhuma delas. Ele não tem obrigação de fazer o time dar liga ainda em 2019 e provavelmente foi com esse respaldo que ele aceitou o desafio de treinar o Palmeiras.
Cuca chegou no meio de 2016 e fez o time campeão. O mesmo aconteceu com Felipão no ano passado. No Flamengo, o português Jorge Jesus passou por cima de uma série de obstáculos e conseguiu fazer o time atingir um padrão de jogo admirável – é verdade que teve bons reforços que o ajudaram nessa missão. Mas essa não é a regra. O fato de termos alguns exemplos de times bem sucedidos mesmo após trocas no meio do caminho não significa que existe a obrigação.
Sendo assim, como a diretoria deve decidir, mesmo com um eventual respaldo, se demite ou não Mano Menezes?
Essa avaliação deve passar:
1) pelas informações coletadas nestes quase três meses no que diz respeito ao relacionamento construído no vestiário e
2) pelo plano para 2020 que ele deve ter entregue a seus superiores – ou pelo menos, já deveria ter-lhe sido exigido um.
A falta de pegada do time em campo nos últimos jogos não pode ser apenas atribuída ao “abatimento” pela falta de objetivos. Um bom treinador, que sabe que depende sempre de resultados, sabe que precisa manter seus atletas sempre motivados e Mano vem falhando grosseiramente neste aspecto. Existe alguma razão maior para que os atletas estejam trotando em campo, como ficou claro na partida de ontem no Maracanã? Mano será capaz de fazer o grupo correr por ele?
Além da confiança do grupo, Mano apresentou um bom projeto técnico para a próxima temporada? O que ele vislumbra diante do elenco que tem, mais um pacote de reforços que terá à disposição nesta janela? Como vai jogar o Palmeiras de Mano Menezes em 2020?
Essas perguntas, só quem pode responder é quem está dentro dos muros da Academia de Futebol. Nossa sede de sangue é grande, mas nós não temos a responsabilidade de tomar a decisão. Somos como filhos pequenos que têm toda sorte de desejos; queremos tudo, mas só o chefe da família é quem sabe até onde pode atendê-los e por qual razão. Principalmente se for um chefe com a mão firme e o compromisso primordial com o bem estar dessa família.
A nós, só resta torcer para que essas avaliações e decisões sejam feitas da forma mais sábia e honesta possível.
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Abaixo, um mapa geral das possíveis reformulações propostas pelo Verdazzo nesta série:
O Verdazzo é um projeto de independência da mídia tradicional patrocinado pela torcida do Palmeiras.
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