A ditadura da zoeira e o desejo de vaiar

TorcidaNuma dessas conversas de whatsapp no domingo, um palmeirense fez o relato: “ainda durante o jogo, uma menina do meu lado disse que ia ficar até o fim do jogo, para vaiar, porque eles estavam merecendo”.

A menina talvez não estivesse errada. Afinal, se existe um momento para as vaias, é exatamente após o jogo, não antes ou durante. E o termômetro para as vaias é extremamente pessoal, cada um tem o seu e esse direito é inalienável.

No meu termômetro, as vaias não eram merecidas. Ao contrário do que viram muitos torcedores – a maioria, ao que parece – não vejo nesse elenco um “time sem alma”. Vi jogadores correndo, suando, dando carrinho, brigando por todas as bolas. Vi um Palmeiras perdendo gols incríveis e um Sport extremamente preciso, colocando nas redes três dos quatro lances de perigo que criaram. Mas claro, cada um vê o jogo de um jeito.

Perder assim faz parte do futebol e é necessário a todo esportista – quem pratica e quem assiste – saber encarar esse tipo de derrota. É lugar comum: “futebol é o esporte em que o mais fraco tem mais chances de vencer o mais forte, e por isso é que é tão apaixonante”. Parece que essa paixão só funciona na torcida do Palmeiras quando o mais fraco somos nós.

Amendoim, com orgulho

TorcidaO que mais chama atenção na frase da menina é o desejo de vaiar. A certo ponto da partida, ela já estava decidida sobre o que fazer quando soasse o apito final. Algo que, para mim, não traduz exatamente o conceito de vaia que aprendi ao longo de quase 40 anos frequentando estádios: algo que surge no momento, que vem da alma e exatamente por isso é que é um direito inalienável.

No velho Palestra, gostava de ficar na curvinha que ligava as descobertas à ferradura ao final do jogo, perto da saída para o túnel do Palmeiras. Já consegui até pegar uma camisa de jogador numa dessas. Mas queria mesmo é ver bem de perto as expressões dos jogadores ao fim do jogo – era ali que eu julgava quem merecia e quem não merecia vestir nossa camisa, e eventualmente vaiava e gritava muito contra aqueles que aparentavam indiferença.

A vaia premeditada é um fenômeno moderno, talvez ligado ao comportamento de consumidor que nota-se no estádio nas arenas modernas. Menos mal quando a pessoa ainda tem a inteligência de esperar pelo fim do jogo – pior ainda são os que ficam esbravejando durante as partidas, no sentido exatamente contrário do conceito de torcida: que está ali para apoiar, para jogar junto, para empurrar e fazer pressão no adversário. Uma burrice que chega a doer.

Você já conhece o tipo: diz, durante a semana, orgulhoso: “Comprei o ingresso bem atrás do banco do técnico, só pra ficar gritando na orelha dele!” – há 20 anos, Felipão batizou esse pessoal de “turma do amendoim”, numa tentativa de fazê-los se tocarem. Funcionou ao contrário: eles assumiram a pecha com orgulho. Enchem a boca para dizer que se jogador não quer pressão, deveria jogar em time pequeno, que “aqui é Palmeiras”, essas baboseiras que, no fundo, só servem para justificar seus desejos patológicos de vaiar.

Ditadura da zoeira

XingandoUma das coisas mais interessantes desse novo comportamento, sobretudo nos últimos dois anos, é constatar que o grau de revolta de nossa torcida é diretamente proporcional ao resultado conquistado pelo SCCP. A volta da rivalidade extrema, que ganhou contornos de ódio mortal diante da forma com que eles nos roubaram os dois últimos campeonatos, faz com que o resultado deles influencie diretamente sobre o que o palmeirense acha do nosso time.

Este tipo de ocorrência ficou muito claro ontem: em pleno domingo-pós-derrota-para-o-Sport-em-casa, a cornetagem rolava solta nas redes sociais, áreas de comentários e whatsapp. O SCCP estava vencendo e era necessário desviar dos perdigotos que saíam da tela do celular, tamanha a revolta. Foi só o Inter virar o jogo que as críticas amainaram e já tinha gente vendo o copo meio cheio de novo.

A importância que nossa torcida está dando para a eterna competição com o SCCP beira a esquizofrenia; é emburrecedora. O medo de “ser zoado” na segunda-feira faz com que a raiva emane de forma descontrolada. Se perdemos e eles ganharam, o mundo acaba porque a zoeira vai ser forte – afinal, ela não tem limites.

Na era dos memes, a tal da zoeira está impondo uma ditadura em que, mais do que nunca, o que importa são os resultados; se o time perdeu, precisam ser xingados para aliviar a frustração de estar sendo zoado. E a justificativa é sempre a mesma: o time não tem alma, falta raça, o técnico é burro e com ele não vamos a lugar nenhum, aquelas coisas de sempre. Poucos tentam realmente falam de futebol.

E se você tenta enxergar o trabalho num espectro a longo prazo, no sentido de dar tempo para que seja criada uma identidade de jogo, relativizando os defeitos, exercitando a paciência e controlando suas frustrações, você é um passador de pano, ou não tem vergonha de perder jogos fáceis, ou mesmo não sabe o que é ser palmeirense.

Tá chato, muito chato.


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