Palmeiras-Parmalat: revisitando as características da parceria

* por Douglas Monaco

Antônio Carlos e EdmundoUma questão que, neste começo de 2017, tem chamado atenção do público do esporte em geral e de nós palmeirenses em particular é a aparente iminência de ascensão dos patrocinadores – Crefisa/FAM – a patamares mais elevados de investimento e proeminência no clube.

Um ponto de destaque é a inserção da proprietária das empresas na vida política do clube: tornou-se sócia, tem encaminhada uma candidatura ao Conselho Deliberativo e, segundo se diz, tem plano de eleger-se presidente do clube.

À parte as discussões de legalidade e pertinência do processo, ouvem-se comparações entre este momento presente e a Era Parmalat. As alegações são que o caso atual teria na Parceria com a Parmalat um precedente que o legitimaria.

O objetivo deste texto não é validar ou contestar o momento atual. O propósito é meramente recuperar as características do acordo entre Palmeiras e Parmalat que vigorou entre abril de 1992 e dezembro de 2000. A premissa do exercício é que, tendo-se passado tanto tempo, a lembrança da coisa não é tão viva e as comparações ficam prejudicadas.

Por, além de ser palmeirense, eu ter cumprido uma obrigação acadêmica em 1996[1] escrevendo sobre o “Caso Parmalat”, tenho um registro forte de tudo o que se passou, dai aventurar-me a recuperar as informações da época.

A Parceria

Em linhas gerais, a Parceria teve as seguintes características.

  1. Pelo acordo, a Parmalat pagava ao Palmeiras uma verba regular de patrocínio e, simultaneamente, disponibilizava ao clube jogadores qualificados, sem custo para o clube;
  2. Na venda de jogadores, o Palmeiras tinha direito à “taxa de vitrine”, uma porcentagem sobre o lucro. O número declarado à época era 20%;
  3. As propriedades comerciais básicas cedidas pelo Palmeiras eram ligadas ao futebol e, por um tempo, ao voleyball: estampava-se a marca da empresa isolada no peito da camisa desses dois esportes, o que hoje se chama de patrocínio máster;
  4. Havia também propriedades comerciais sediadas no estádio: a publicidade estática foi, por um bom tempo do contrato, exclusivamente cedida à Parmalat; somente na fase final do contrato, esse espaço foi compartilhado com outras marcas;
  5. O acordo impunha também uma coisa chamada cogestão do futebol: a cogestão impunha decisões colegiadas relativas ao departamento de futebol profissional do clube: a palavra final sobre organização, planejamento, direção e controle do futebol seria sempre dada por dois participantes do clube e dois da Parmalat;
  6. Os números[2] à época eram astronômicos para o mercado brasileiro que, no início do acordo, ainda vivia a fase final da hiperinflação, só debelada em 1994 com a criação da moeda Real
    • O patrocínio regular trazia 750 mil cruzeiros mensais ao Palmeiras: até aí, um número razoável;
    • Mas, as contratações de jogadores eram vultosas: em 1992, Sorato, Cuca, Maurílio, Zinho e Mazinho; em 1993, Roberto Carlos, Antônio Carlos, Edilson, Edmundo e Cléber; em 1994, Rincón, Rivaldo, Alex Alves e Paulo Isidoro; em 1995, Cafu, Mancuso, Muller, Nilson, Djalminha e Luizão; em 1996, Junior, Sandro, Viola e a volta de Rincón; em 1997, Oséas, Euller, Alex, Zinho de volta; em 1998, Arce, Paulo Nunes e Júnior Baiano; em 1999, voltas de César Sampaio e Evair, Asprilla …. A lista é comprida.
    • O custo médio das contratações oscilava entre 1,5 e 3,5 milhões dólares. Zinho e Roberto Carlos custaram perto de 700 mil dólares cada, Antônio Carlos 1,4 milhões, Edilson 1,3 milhões, Edmundo 1,8 milhões, Rivaldo 2,5 milhões, Cafu 3,5 milhões (mais a multa, dada a triangular feita com o Zaragoza da Espanha que o teve por um semestre até ele poder jogar aqui em meados de 1995, algo imposto por cláusula de venda entre SPFC e Zaragoza em dezembro de 1994); Djalminha e Luizão custaram juntos perto de 5,5 milhões, Paulo Nunes pouco mais de 3 milhões, etc.
  7. Os resultados foram marcantes: 3 campeonatos paulistas, 2 brasileiros, 2 Rio-São Paulo, uma Copa do Brasil, uma Copa Mercosul, uma Copa Libertadores; 10 títulos em 8 anos.

Análise e fundamentos teóricos

Mas, além de dados e informações, é importante também recuperar-se o significado do acordo para seus parceiros, i.e., o que ambos ganhavam com a Parceria, que os motivava a manterem-se na mesma.

Para a Parmalat, o Palmeiras significava:

  1. Visibilidade acelerada: um patrocínio convencional – sem a colocação de jogadores qualificados – traria um grau de exposição significativamente menor do que a atenção incandescente que o acordo produziu à época. A empresa de assessoria de imprensa visitada à época do trabalho relatava que o número de citações de “Parmalat” equivalia a 20 vezes o valor de anúncios pagos nos respectivos órgãos de comunicação.
  2. Posicionamento da marca: o logo Parmalat e seus atributos passaram a ser lidos de maneira qualificada pelo mercado em geral de consumidores e de empresas de comunicação.
  3. Impacto no crescimento geral da empresa: o aumento acentuado da captação de leite e a aquisição de fábricas dentro do país foram viabilizados pela visibilidade acelerada e pelo novo posicionamento da marca Parmalat.
  4. Impacto nas vendas: leite e derivados produzidos pela empresa tiveram crescimento de vendas vertiginoso.
  5. O futebol como centro de lucro: com o tempo, as compras e vendas de jogadores passaram a gerar caixa líquido para a empresa. Segundo se sabia, parte desse caixa líquido era reinvestido na própria Parceria.

Para o Palmeiras, a Parmalat significava

  1. Recurso físico: jogadores com que o clube jamais poderia sonhar à época e eram trazidos pela empresa.
  2. Fonte de renda: a verba de patrocínio mais a taxa de vitrine.
  3. Impacto na arrecadação do clube: bilheteria, quotas de televisão e receitas em geral do futebol foram ampliadas dado o patamar técnico – condizente com sua tradição – que o time pode retomar em consequência da Parceria.
  4. Capacidade gerencial: a experiência da Parmalat em gerir exportes era muito mais qualificada do que o Palmeiras possuía. No âmbito da Parceria, essa competência foi posta à disposição do clube.
  5. Separação do futebol: a Parceria permitiu que a atividade futebol fosse isolada administrativamente das outras atividades do clube SE Palmeiras. Com isso, pode-se reduzir o impacto da atividade política – natural de uma entidade de associados – sobre a gestão do futebol.
  6. Controle por um blockholder: na atividade empresarial em geral, a figura do controlador – blockholder – é vista com fator potencialmente positivo na governança corporativa. Coloquialmente, tal fato é dado pela expressão “o olho do dono é que engorda o porco”. Para o futebol de clubes, essa figura do blockholder não é natural dado que os administradores atuam por mandatos e mesmo a cúpula diretiva máxima não é “dona” do clube. A cogestão permitiu que se emulasse essa situação conferindo às decisões um potencial maior de alinhamento aos propósitos máximos do futebol, i.e., vencer e convencer.

Essa reciprocidade de ganhos entre os parceiros é identificada pela Economia dos Contratos como um quadro de dependência bilateral, situação em que Parceiros, por meio de um contrato, têm condições de extrair ganhos contínuos de um relacionamento sem que incorram numa integração formal entre as partes.

Conclusão

Como se viu na discussão acima, a Parceria Palmeiras-Parmalat marcou-se por uma lista explícita de direitos e obrigações entre as partes, manteve intactos os fundamentos legais de cada parceiro, tinha fundamentos teóricos para existir e teve resultados palpáveis para ambas as partes.

Quaisquer comparações que se queiram fazer com a situação presente envolvendo Palmeiras e Crefisa/Fam têm de levar em conta as características acima listadas.


[1] Entre 1996 e 2000, cursei mestrado strictu-sensu no departamento de administração da FEA-USP. No segundo trimestre de 1996, fui recebido pelo próprio José Carlos Brunoro – executivo da empresa que liderou o processo junto ao clube – no escritório central da Parmalat, então sediada na Vila Olímpia em São Paulo. Nessa conversa, ele esclareceu vários detalhes práticos que, analisados à luz do referencial teórico da disciplina – Economia dos Contratos – possibilitaram o trabalho final.

[2] Números estão citados de memória e estão sujeitos a uma revisão de base documental.

*Douglas Monaco é leitor e padrinho do Verdazzo

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