MEMÓRIA: A máquina do Palmeiras de 96 começou a ser montada em 95

Por Thell de Castro

Camisa 1996Apesar de ter conquistado apenas um Campeonato Paulista, o time de 1996 do Palmeiras marcou época. A montagem dessa equipe começou bem antes, em outubro de 1995. É claro que existia o fator Parmalat, mas vamos relembrar essa história e ver como o clube se mexeu para superar um ano difícil.

Vale lembrar que, após dominar os campeonatos de 1993 e 1994, o Palmeiras teve um ano, digamos, ruim em 1995. O time teve a saída de peças importantes e, apesar de contratar vários nomes de peso, não deu tão certo, culminando com a perda do Paulistão, da Libertadores e do Brasileiro.

Mas o torcedor palmeirense, naquela ocasião, ficou apenas um ano sem comemorar uma taça. No dia 17 de novembro de 1995, em crise no Campeonato Brasileiro, o Palmeiras surpreendeu e anunciou dois reforços para a temporada de 1996, conforme a reportagem “Palmeiras abre mão do Brasileirão”, da Folha de S. Paulo:

A diretoria do Palmeiras/Parmalat não acredita nas chances de classificação do time para as semifinais do Campeonato Brasileiro deste ano. ‘Como estão surgindo oportunidades para fechar negócios, antecipamos a renovação’, disse Seraphim Del Grande, vice-presidente de futebol do Palmeiras. ‘No Brasileiro, não dependemos mais de nós. Temos que torcer contra SCCP e Botafogo’, lamentou.

Vincenzo Roma, gerente de esportes da Parmalat, admite que já não pensa no Brasileiro de 95. ‘A Parmalat tem contrato com o Palmeiras até 98’, declarou. Segundo Roma, a meta do Palmeiras é vencer o Brasileiro de 96, garantindo vaga para a Libertadores de 97. (…) Alberto Strufaldi, dirigente do Palmeiras, confirmou à Folha a vinda do treinador Vanderlei Luxemburgo teve como objetivo a obtenção de resultados em 96. ‘Ele pegou o time em situação difícil no campeonato’, afirmou. ‘Trouxe uma grande lista de possíveis contratações. Em 96, vamos ter o mesmo sucesso de 93 e 94’.

O único preocupado com a renovação do atual elenco com as contratações de Djalminha e Luizão, do Guarani, e Junior, do Vitória (BA), é José Carlos Brunoro, diretor de esportes da Parmalat. ‘Atrapalha quando começam a falar em desmanche. Não temos a intenção de vender ninguém’, afirmou à Folha, em entrevista por telefone. Logo depois, no entanto, Brunoro confirmou que Amaral, por exemplo, não deve continuar em 96. “O passe dele é só Palmeiras, que precisa de dinheiro”.

Folha de S.Paulo
Reprodução

Outra matéria, na mesma página, falava sobre a contratação de Júnior e de outras movimentações no elenco.

“Depois da apresentação de Djalminha e Luizão, ontem, no Parque Antarctica, o Palmeiras anunciou a vinda do lateral-esquerdo Júnior, 22, para a temporada 96. O jogador, que vai continuar defendendo o Vitória (BA) até o final do Brasileiro, custou US$ 600 mil, além do passe do meia Beto, avaliado em US$ 100 mil. O meia Aílton, que está no Fluminense, confirmou ontem que também foi procurado pela diretoria do clube paulista.

A diretoria do Palmeiras/Parmalat pretende reformular o elenco para a temporada 96. ‘Temos propostas pelo Rivaldo, Antônio Carlos, Amaral e Edílson’, disse o dirigente Alberto Strufaldi. ‘O que ganharemos com a venda de jogadores, reaplicaremos no futebol, como fazemos desde o início da parceria com a Parmalat’.

O diretor de esportes da multinacional, José Carlos Brunoro, confirmou o que disse Strufaldi. “Se ficamos sem César Sampaio, Zinho e Evair em 95, trouxemos Mancuso, Muller, Nílson e Cafu”, afirmou Brunoro.

Desde 92, quando começou a parceria com a Parmalat, foram gastos cerca de US$ 26,6 milhões na aquisição de jogadores, sem contar com o passe de Cafu. As vendas somam cerca de US$ 26,1 milhões”.

Como previsto, o time foi eliminado do Brasileirão e continuou a reformulação, sem estardalhaço. Além disso, naquela época, não existiam os que se matam no Twitter para dar informações em “primeira mão”, muitas vezes acreditando em qualquer um que lhes fale sobre possíveis contratações, ou, até, inventando reforços somente para aparecer.

O ano virou e as contratações continuaram

RivaldoPulamos para 8 de janeiro de 1996, quando o time foi fazer a pré-temporada em Serra Negra, pensando no Campeonato Paulista.

A matéria “Japão deve fazer proposta por Rivaldo” falava sobre a possível venda do meia para um time do Japão. Ele não saiu, como sabemos, e foi vendido no meio do ano para o La Coruña, da Espanha. Voltando a falar sobre a reformulação:

“As novidades são os jogadores Marquinhos, Claudio, Gustavo, recém-contratados junto ao Flamengo, e o zagueiro Sandro, que veio do Juventude (RS). O meia Djalminha, o atacante Luisão e o lateral Júnior, contratados ao final do Campeonato Brasileiro, também viajam com o time.

A diretoria do clube ainda tenta acertar a renovação dos contratos do volante Flávio Conceição e do meia-lateral Cafu. Ele ameaça não viajar para Serra Negra, caso não haja acordo com o clube. A diretoria, no entanto, exige que ele viaje, já que seu contrato termina no final do mês.

O Palmeiras apresentará seu novo time aos torcedores em um amistoso marcado para o próximo dia 19, contra o Grêmio, no Parque Antarctica. Depois, a equipe participará de um torneio internacional, com Flamengo e Borussia Dortmund, da Alemanha, no Nordeste”.

Bom, a partir daí, já sabemos o restante da história. O time foi montado, veio o excelente cartão de visita que foi a goleada frente ao Borussia, que não viu a cor da bola, e a sequência de belas vitórias no Paulistão, que garantiram o campeonato com antecedência, e também na Copa do Brasil, quando o time foi parado pelo Cruzeiro na final, perdendo de forma inacreditável no Palestra.

Que 2017 tenha sido uma espécie de 1995, garantindo glórias para as próximas temporadas.


Thell de Castro é palmeirense, jornalista e editor do site TV História

MEMÓRIA: Os bastidores da assinatura do acordo entre Palmeiras e Parmalat, em 1992

A partir de hoje, o Verdazzo publicará todos os sábados uma coluna assinada pelo jornalista Thell de Castro, com episódios da História do Palmeiras sob a perspectiva da época, com excertos da mídia no momento em que a notícia acontecia. 

A série começa com a divulgação do acordo de cogestão entre Palmeiras e Parmalat,e m 1992. 


Crise, pressões e especulações: os bastidores da assinatura do acordo entre Palmeiras e Parmalat, em 1992

Palmeiras assina acordo de cogestão com a multinacional italiana e se prepara para viver nova fase; enquanto isso, time sofre com jejum, brigas internas e jogadores citam forças negativas que atrapalham a equipe

Primeira foto do time do Palmeiras após o acordo com a Parmalat, ainda sem reforçosTodo mundo sabe como foi vitoriosa a parceria entre Palmeiras e Parmalat nos anos 1990. Após um longo período sem títulos, ganhamos o Campeonato Paulista de 1993, quando a competição ainda era muito valorizada, em cima do maior rival, com um show de bola. Tem coisa melhor? Depois veio um título atrás do outro.

Mas vamos relembrar o início dessa história, como se anunciou esse acordo, através de pesquisa no acervo da Folha de S. Paulo.

A primeira notícia sobre o assunto é de 14 de fevereiro de 1992. E já começou com especulação. “Palmeiras quer contratar Dener da Portuguesa”. Dizia o pequeno texto: “O Palmeiras sonha em contratar Dener da Portuguesa. O dinheiro viria de um convênio com a multinacional Parmalat, que pode ser fechado hoje à tarde na Itália. Se não for possível a vinda do jogador para o Campeonato Brasileiro, os dirigentes esperam até o meio do ano”.

Se fosse hoje, os torcedores estariam alvoroçados no Twitter e nos grupos de WhatsApp e o Conrado colocaria aquele famoso fluxograma para pegar os mais desesperados. Como se sabe, Dener não veio, mas o convênio sim.

No dia 18 de fevereiro, outra notícia pequena, no meio de uma matéria sobre uma vitória do Santos sobre o Guarani por 1 a 0 pelo Campeonato Brasileiro de 1992, falava que o acordo deveria ser fechado naquele dia.

O Palmeiras deve fechar hoje um acordo de US$ 500 mil por ano com a multinacional italiana Parmalat. A empresa pagará a rescisão de contrato de patrocínio com a Coca-Cola, que é de US$ 700 mil. A Coca-Cola dá US$ 200 mil por ano clube. A Parmalat vai investir cerca de US$ 40 mil por mês. A curto prazo, o uniforme do Palmeiras será mudado e o nome da Parmalat será escrito na camisa. Nenhum novo jogador deverá vestir a camisa do Palmeiras nos próximos meses”, dizia o texto.

Nelsinho Baptista e SergioO pouco destaque dado ao possível acordo talvez se explique pela escassez de títulos e notícias boas que o Palmeiras enfrentava naquela época. Outra notícia, no dia seguinte, jogava um balde de água fria no palmeirense, pelo menos por algum tempo. No mesmo dia, o Palmeiras jogaria contra o Bragantino e o técnico Nelsinho Baptista tentava administrar uma crise interna entre Evair e Betinho.

Junto com a ficha do jogo, a Folha publica: “O presidente Carlos Facchina Nunes informou ontem à tarde que o acordo com a Parmalat não será assinado tão já. ‘Hoje eu terei um encontro com diretores da Parmalat, mas posso te garantir que em menos de um mês nada acontecerá’ ”, afirmou.

A chegada de Brunoro

De 18 de fevereiro pulamos para 1º de abril, quando a Folha voltou ao assunto: “Brunoro pode dirigir esportes no Palmeiras”, dizia a manchete.

Leia trechos do texto: “Para derrubar a carga de 16 anos sem títulos, o Palmeiras deve contar com o trabalho de José Carlos Brunoro, ex-gerente de esportes do Pirelli de Santo André, que pode assumir o cargo de diretor de esportes do clube. Brunoro disse ter sido convidado pela diretoria da Parmalat, empresa multinacional italiana que está em negociações de patrocínio com o Palmeiras. (…) Pelo projeto, inédito no futebol brasileiro, Brunoro seria uma espécie de manager e ficaria responsável pelo futebol profissional, futebol do salão, vôlei e basquete”.

No dia 7 de abril, os conselheiros palmeirenses se reuniram para analisar o acordo com a Parmalat. Discussões, debates, acordo aprovado, seria assinado dentro de pouco tempo.

Amistoso com o Parma celebra acordo

No dia 28 de maio de 1992, as notícias já eram melhores e a nossa epopéia estava prestes a começar. O Palmeiras enfrentaria às 20h, no Palestra Itália, o Parma, “num amistoso que celebrou o acordo de cogestão técnico-administrativa entre o clube a empresa italiana Parmalat”, como citou a Folha. “O acordo marca a profissionalização dos cartolas nos clubes brasileiros. José Carlos Brunoro, diretor de esportes da Parmalat, cuida dos resultados (e do dinheiro) da cogestão – a companhia investe só neste ano US$ 500 mil no clube”, completava o texto.

O Palmeiras venceu por 2 a 0, gols de Betinho, aos sete minutos do primeiro tempo, e Toninho Cecílio aos 46 do primeiro. Mais de 12 mil pessoas compareceram ao estádio.

O Verdão jogou com Carlos, Odair, Toninho, Tonhão e Biro; César Sampaio, Edu Marangon, Luís Henrique e Betinho; Daniel e Paulo Sérgio, técnico Nelsinho. O Parma veio com Taffarel, Donatio, Benarrivo, Minotti e Apolloni; Nava, Zoratto, Osio, Buga; Asprilla e Agostini, técnico Nevio Scala.

As tais forças negativas…

Evair na final do Campeonato Paulista de 1992Como ainda eram tempos de vacas magras – o final desse tempo, pelo menos até 2000 – “a festa no Parque Antarctica vai servir também para amenizar o trauma pela desclassificação no Campeonato Brasileiro. Eliminado na fase classificatória, o clube faz planos para o Paulista do segundo semestre, prometendo, com a ajuda da Parmalat, fazer grandes contratações”, dizia a Folha.

Outra parte interessante do texto dizia que Evair, Andrei e Jorginho continuariam afastados por indisciplina e poderiam ser negociados. Vou explicar com detalhes em outro texto posterior, mas Evair foi mantido no elenco com a saída de Nelsinho e se transformou em um dos grandes ídolos da torcida palmeirense.

O ano de 1992, apesar de marcar o início da parceria, não foi um mar de rosas. O Palmeiras começou mal o Paulistão, Nelsinho foi demitido em 19 de agosto, após três derrotas e um empate em zero com o Noroeste, e chamou os torcedores que fizeram pressão de covardes. Dois técnicos recusaram o clube, Candinho e Valdir Espinosa. Raul Pratalli, comandante dos juniores, assumiu o time interinamente e sonhava com uma chance, que não veio.

O time foi para Parma, na Itália, com exceção de dois diretores que integrariam a delegação. “A demissão acabou atrapalhando os planos de Adriano Beneducci e Gilberto Cipullo, que não poderão passar um final de semana na Itália. O presidente Carlos Facchina retirou seus nomes da delegação para que fiquem no Brasil procurando um novo técnico”.

O Palmeiras acertou com Otacílio Gonçalves, do Paraná Clube, que já chegou com grande pressão: “Hoje ele se apresenta ao clube que o contratou por um ano. Chega ao mesmo tempo em que os jogadores desembarcam de sua frustrada excursão italiana, pródiga em almoços e jantares espetaculares, mas pobre no resultado: 2 a 0 para o Parma, gols de De Chiaro e Pizzi, em partida que celebrou o acordo Palmeiras/Parmalat. “O Palmeiras é um clube difícil”, disse, em Parma, o próprio presidente Carlos Facchina. Gonçalves foi avisado da ‘barra pesada’ palmeirense e, mesmo assim, aceitou a missão recusada por gente como Wanderlei Luxemburgo, Candinho e Valdir Espinosa”.

Outro trecho da matéria que mostra como era o clima no clube: “Segundo o meia Daniel, uma profusão de forças negativas ronda o Palmeiras e levam os jogadores a proporcionar exibições ruins como a de sábado. Em conversas com jogadores e dirigentes, percebe-se que as tais forças negativas são, na verdade, o trauma da demissão de Nelsinho e a pressão das torcidas organizadas. Pode-se somar a isso a ausência de pelo menos um craque e também o jejum de títulos. Mas o que é o ovo e o que é a galinha?”.

Isso mostra a importância do choque de gestão, profissionalismo, e, claro, investimentos. As tais forças negativas sumiram rapidamente a partir de 1993, voltando com a saída da Parmalat, em 2000, quando o clube voltou a andar com suas próprias pernas, por caminhos bastante tortuosos até pouco tempo atrás.


Thell de Castro é palmeirense, jornalista e editor do site TV História