Analistas Passport: um olhar etílico sobre nossa imprensa esportiva

Passport

Na década de 70, a economia brasileira não era aberta como hoje. Havia uma enorme preocupação do governo federal em estimular a indústria nacional e artigos importados eram caríssimos por causa dos impostos.

Nossas indústrias, sem a competição do mercado externo, lançavam produtos de qualidade extremamente baixa, cortando custos de desenvolvimento e de matéria-prima. Assim, a palavra “importado” ganhou um significado mais prolongado e passou a ser quase um sinônimo de “produto de qualidade superior”.

Para se beber uísque no Brasil, se você não fosse um sujeito abastado que pudesse trazer de suas andanças pelo mundo garrafas legítimas de Scotch e não quisesse se arriscar com produtos duvidosos contrabandeados pela fronteira com o Paraguai, era preciso escolher entre Old Eight, Drury’s e Natu Nobilis.

Até que surgiu o Passport, que se apresentou como um produto de qualidade superior, embora ainda fosse ruim. Afinal, mesmo engarrafado no Brasil, era “produto importado”. O marketing bem feito causou euforia entre os tiozões da época. Com sua garrafa verde, o Passport conseguia ser visto como classudo, respeitado. Iludiu muita gente, por muito tempo.

A imprensa esportiva nasceu nos jornais e cresceu nas ondas do rádio. Dentro da classe jornalística, a redação de esportes sempre foi vista como o quintal. Quem não tinha preparo para escrever sobre economia, sagacidade para escrever sobre política ou classe para ser colunista social, acabava cobrindo corridas de cavalos ou boxe. Se tivesse sorte ou persistência, acabava conseguindo um lugar para cobrir o futebol.

E por muito tempo a História do esporte mais popular do mundo foi contada pelo que saía de pior das faculdades de jornalismo. Muitos, com sérios problemas com o uso correto do idioma.

Não havia muito compromisso ou responsabilidade nas análises, afinal, as palavras ditas nas ondas no rádio perdiam-se no vento e o que era escrito nos jornais acabava embrulhando peixe. Não havia redes sociais, não havia prints. O público não tinha como questionar. Era muito fácil.

No início dos anos 90, quando as emissoras de televisão descobriram o potencial econômico da cobertura de futebol, apareceram nas redações de esporte alguns sujeitos diferenciados. Espertos, perceberam que podiam falar para multidões e serem famosos falando sobre um tema bem fácil. Mais fluentes que a média, exibindo raciocínio com começo, meio e fim, impressionaram o público. Até hoje sobrevivem dessa fama de inteligentes, articulados e esclarecidos, embora não sejam envelhecidos e engarrafados na Escócia. São os analistas Passport.


Com a redução dos impostos sobre importação, o brasileiro hoje já tem mais acesso a uísques de qualidade superior. A própria indústria nacional teve que caprichar mais. Hoje, sabemos, o Passport é um uísque bem inferior.

A participação de Mano Menezes ontem no “Bem Amigos” do SporTV escancarou o que é a imprensa esportiva do nosso país: um amontoado de garrafas de Passport, rodeadas de Drury’s, Natu Nobilis e Old Eight.

Reclamam da qualidade do nosso futebol, mas não fazem o básico para melhorar a discussão sobre o esporte. Insistem em colocar tarja na testa dos jogadores, analisam o atleta por posição e não por função. Insistem em fazer comparativos posição-por-posição antes de um jogo importante.

Olham só a bola e esquecem do preenchimento de espaços. Analisam os dados estatísticos das partidas como um enfermeiro comenta a atividade de um cirurgião. No auge da limitação de raciocínio, concluíram que quantidade de posse de bola define a qualidade do jogo.

Ignoram solenemente as atividades que dão suporte aos clubes profissionais. Administração financeira, medicina, fisioterapia, análise de desempenho são temas que recebem, no máximo, um olhar superficial.

Mas se fosse apenas a preguiça e a falta de conhecimento, vá lá. Teria conserto, bastaria uma reciclagem. O problema maior é que nossos jornalistas não conseguem tirar a camisa do time que torcem por baixo. São desonestos. Vendem a imagem de imparciais, mas são clubistas e enganam o torcedor que espera uma análise imparcial.

E os analistas Passport fazem tudo isso e ainda conseguem vender uma imagem de serem diferenciados.

Talvez esteja mesmo na hora de importarem comentaristas de outros países, como sugeriu Mano Menezes.

Ou, quem sabe, o público se liberta de uma vez desses produtos de qualidade inferior dentro de garrafas verdes, e descobre que existe a alternativa proporcionada pelo desenvolvimento da Internet: canais de torcedores, declaradamente parciais, que não o enganarão.

Na Internet, tem de tudo. Cabe ao público garimpar os sites e canais que lhe agradam e torcer para que eles cresçam e ganhem espaço dos velhos Passport.


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