Nelson Rodrigues (1912-1980) disse uma vez que “no futebol, o pior cego é o que só vê a bola”. Dizem que ele próprio era míope, mas isso não o impediu de se tornar o mais famoso cronista da relação passional do brasileiro com esse esporte.
Rodrigues testemunhou uma profunda transformação da alma brasileira. Entre o drama do Maracanazo, em 1950, e a glória nas décadas de 1960 e 1970, o “complexo de vira-latas” deu espaço ao ufanismo de um povo, fazendo com que o uniforme verde-amarelo se tornasse a expressão maior do Brasil diante do restante do planeta.
Desde a morte do escritor, mais de quatro décadas se passaram. Contudo, o futebol continua sendo um elemento central na cultura brasileira. A Seleção ainda tem um papel importante nessa construção, mas, como veremos a seguir, a influência do esporte também se dá por outras vias.
Um Esporte para Todos
O futebol se tornou o esporte mais popular em muitos países ao longo do século 20. Isso inclui as principais economias da Europa, como a Alemanha e a Inglaterra, mas também a maior parte do continente africano e da América do Sul, por exemplo.
Há um fator que ajuda a explicar esse sucesso: a facilidade de acesso. Poucos esportes podem ser praticados em condições tão diversas quanto o futebol. Afinal, basta uma bola (ou algo que possa ser usado como bola) e algum espaço disponível para “dar jogo”. Pode ser no quintal de casa, na praia ou no asfalto. E a trave sempre pode ser improvisada.
O caráter inclusivo do futebol transformou-o em um esporte para todos, apesar de sua origem elitista. E isso faz uma diferença enorme em um país desigual como o Brasil.
Mais que um Jogo
O fácil acesso não explica por si só o fascínio do brasileiro pelo futebol. Em grande medida, ele nasce do tipo de experiência que uma partida proporciona — para quem joga e para quem torce — entre o pontapé inicial e o apito final do juiz.
Poucos esportes permitem que o time tecnicamente mais fraco supere com tanta frequência equipes mais fortes. O longo tempo de ação contínua, sem que o relógio pare, faz com que uma longa história possa ser contada a cada tempo de jogo. Nela, cabem a glória, a tragédia, a superação, que podem vir como expressões do coletivo, mas também na pele de um único herói — ou vilão.
O brasileiro soube como poucos captar a dimensão transcendental do futebol. Ela pode aparecer nas promessas que antecedem uma decisão de campeonato ou quando aproveitamos um bônus de cassino online para apostar em um placar improvável. O certo é que em nenhum outro esporte acreditamos tanto no impossível.
Sentimento de um Povo
Desde a sua chegada ao país, no fim do século 19, o futebol ajudou a moldar o sentimento nacional. Fruto da mistura de muitos povos e culturas, o brasileiro se viu unido pelo gosto por esse esporte.
Mesmo com as rivalidades entre as torcidas, passou a haver um ponto em comum entre pessoas de diferentes cores, credos e origens sociais. Essas diferenças, claro, não desapareceram, mas o futebol aproximou pessoas e ajudou a pautar muitas questões importantes fora das quatro linhas.
O primeiro título mundial do Brasil, em 1958, veio em meio à utopia de um futuro grandioso. Com Juscelino Kubitschek na presidência, o país vivia uma febre de industrialização. A vitória mostrou que era possível conquistar o que parecia, desde sempre, algo distante dos brasileiros: dignidade e reconhecimento.
Os títulos de 1962 e 1970 mantiveram viva essa chama. Mas os seguidos fracassos depois disso, principalmente o de 1982, espelharam a agonia de um Brasil em profunda crise econômica e social. A vitória em 1994 prenunciou uma nova geração de craques e ajudou a restaurar a auto-estima do país, que se elevaria ainda mais ao longo da década seguinte.
O País do Futebol
Hoje, vivemos um novo jejum de títulos na Copa do Mundo. Além disso, as dificuldades recentes do país parecem refletir no futebol, com uma distância econômica cada vez maior entre os clubes locais e as principais equipes da Europa. Com isso, há um bom tempo, nossos principais craques têm atuado fora do Brasil. E esse parece ser um sonho de todos os jovens jogadores hoje em dia.
Ainda assim, a paixão do brasileiro pelo futebol continua presente e é uma parte fundamental da identidade do país. Ela é forjada de glórias e fracassos, como a vida, e continua a ter o potencial de mover milhões de pessoas todos os dias.