“Não joga bonito” é o novo “as uvas estão verdes”

Campeonato Paulista 1996

O torcedor do Palmeiras está absolutamente satisfeito com o time, algo que não acontecia desde 1996, com o mágico, mas fugaz esquadrão do ataque dos 102 gols comandado por Vanderlei Luxemburgo.

Aquele time mesmerizou o país. Não havia quem dissesse: “não joga bonito”. O encantamento que provocou no Brasil só não rompeu fronteiras porque a Internet ainda engatinhava e as comunicações globais ainda tinham limitações. Era unanimidade enquanto padrão de beleza de jogo, com eficiência.

O quarteto Djalminha-Rivaldo-Müller-Luizão girava a bola rapidamente no que hoje se chama último terço, sempre apoiados por Cafu e Junior nas extremidades e por Flávio Conceição e Amaral por dentro.

Uma constelação que proporcionava goleadas acachapantes ao mesmo tempo que encantava. A bola girava de pé em pé, controlada por atletas com destreza e precisão assombrosas que faziam os adversários parecerem amadores. Um time que, mesmo vestindo a camisa do Palmeiras, mereceu todos os elogios possíveis também de adversários e da imprensa. Inquestionável. Absoluto.

Contextos diferentes

Equipe do Palmeiras não joga bonito, mas é extremamente competitiva e eficiente.
Cesar Greco

O time de Abel Ferreira está num contexto diferente. Mais de um quarto de século depois, o atual elenco do Palmeiras combina todas as qualidades necessárias para vencer, mesmo com as limitações causadas por uma gestão financeira duvidosa, sobretudo entre os anos de 2018 e 2021.

Sem os recursos quase infinitos da Parmalat, asfixiado pela pandemia (como todos os clubes), o Palmeiras se reinventou com Abel Ferreira e vai demolindo marcas. Mas para isso, precisou desenvolver um modelo de gestão de elenco que abre mão de contratar craques consagrados. Uma espécie de “bom e barato” repaginado, verdadeiramente evoluído. O atual “bom” é realmente bom; o atual “barato” não é tão barato assim, mas é acessível. E as categorias de base, mantidas com excelência, complementam o quadro.

O Palmeiras de hoje não tem em seu elenco nenhum jogador que chegou ao clube como superastro. Se hoje são cogitados até para jogar Copa do Mundo, é graças ao que evoluíram nestes anos vestindo verde, sob a liderança de Abel, o grande artífice desta dinastia.

Não dispomos de ninguém com o talento natural de um Djalminha ou de um Rivaldo – ou de um De Arrascaeta, ou de um Pedro – mas nossos herois de hoje compensam essa falta com um estoicismo assombroso, combinando extrema dedicação nos treinamentos físicos com controle mental, aprendizado tático e aprimoramento técnico constantes.

Abel e sua comissão técnica extraem cada gota de potencial dos atletas e as transformam em resultados. E a torcida absorve esse processo em delírio, porque todo esse pacote vem embrulhado com um cartão onde está escrito “raça” – algo que o time de 1996 não teve, por exemplo, na final da Copa do Brasil.

Müller puxou a fila e aquela equipe não manteve o mesmo padrão com as saídas de Rivaldo e Amaral. Nem Vanderlei Luxemburgo, que estava no auge, conseguiu manter a chama acesa, mesmo com recursos da co-gestora para repor as peças. 74,1% foi o aproveitamento palmeirense ao final daquele ano.

O Palmeiras de 2022, um time há dois anos em evolução constante cujo trabalho visa o equilíbrio com consistência, tem 76,8% de aproveitamento.

Joga bonito x Consistência

O futebol evoluiu muito neste quarto de século. Toques rápidos de pé em pé continuam sendo referência de jogo bonito, mas é cada vez mais difícil praticá-los com consistência. A tal da beleza, em nosso contexto, precisa de uma constelação de craques que traz efeitos colaterais indesejados.

Alguns grandes times europeus conseguem. No Brasil, turbinados financeiramente, o Flamengo e o Atlético até vêm conseguindo, mas em ciclos curtos: ou o time fica rapidamente manjado, ou fica dependente de um jogador, ou entra em alguma crise por estrelismo, ou perde uma peça-chave de difícil reposição. Não se mantêm fortes e equilibrados por muito tempo. É preciso sempre recomeçar.

O Palmeiras não é ajudado com dinheiro da televisão fechada e não tem mecenas. Contamos apenas com um bom patrocinador, com recursos limitados, e com a força de nossa torcida no Avanti e nas bilheterias.

Por isso, o caminho escolhido precisa ser o da consistência, administrando as vaidades do elenco e mantendo as finanças equilibradas. Dentro do cenário atual, é um trabalho magnífico, que mantém o Palmeiras no protagonismo e consegue resultados ano após ano, mesmo sem a ~beleza~ que é cobrada por tanta gente, dentre torcedores rivais e jornalistas.

Abel Ferreira em jogo do Palmeiras contra o SCCP, durante partida válida pela vigésima segunda rodada do Brasileirão 2022, no Itaquerão.
Cesar Greco

Abel Ferreira trabalha com o que tem nas mãos e entrega o que nenhum outro treinador entregou, em fases até mais abastadas. Nosso comandante lê como e o que cada atleta pode entregar, e desenvolve um coletivo que maximiza a soma desses potenciais individuais.

Por isso, certamente faria melhor que faz Jorginho com esse elenco do Atlético-GO, que Cuca com o do Atlético-MG e que Mano Menezes com o Inter. Porque está fazendo muito melhor que Mano fez aqui em 2019, melhor que Luxa em 2020, só para listar seus dois antecessores imediatos. E sabe-se lá o que faria com um elenco como o do Manchester City. Certamente não jogaria com o mesmo modelo de jogo do Palmeiras. Quem sabe, até, jogaria ~bonito~.

Não precisamos ser elogiados por ninguém pela beleza do jogo. Na verdade, não precisamos ser elogiados por nada – o que nosso time vem nos entregando já nos basta. Se queremos que esta fase do Palmeiras se prolongue, não devemos esperar que o time dê o tipo de espetáculo que nos estão cobrando.

Se querem elogiar e reconhecer o trabalho feito, ótimo. Se não quiserem, que sigam roendo os cotovelos. A estas raposas, só resta dizer que as uvas estão verdes.


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7 comentários em ““Não joga bonito” é o novo “as uvas estão verdes”

  1. Enquanto eles reclamam, o palmeirense precisa de aula de grego para contar os campeonatos: é o “tri” da Libertadores, o “tetra” da Copa do Brasil e já já o “hendeca” do Brasileirão!

  2. Excelente texto!
    Antes, a principal medida de um time que ~joga bonito~ era a quantidade de gols marcados. Agora que o Palmeiras é o maior goleador de Libertadores e Brasileirão, eles buscam outras maneiras de dizer que o time do Abel não ~joga bonito~ para desmerecer tudo que conquistamos nos últimos dois anos.

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